Meu mundo desabou e não sabia o que fazer e nem para onde ir”, disse a engenheira de telecomunicações Danielle Christine Montes Silva ao relembrar quando soube que a filha Ana Luiza Montes Vasconcelos, na época com dois meses de idade, foi diagnosticada com leucemia.
Desde então, a luta por um doador de medula óssea teve início, ganhando espaço entre familiares, amigos e também nas redes sociais. Segundo a mãe da menina, o doador 100% compatível foi encontrado e quando tudo parecia estar caminhando rumo à cura, o plano de saúde acabou se tornando uma barreira para a continuação do tratamento. Devido a isso, um processo judicial contra a Bradesco Saúde foi protocolado e no mesmo dia a Justiça concedeu a liminar autorizando o transplante. Segundo a assessoria de comunicação da empresa, a Bradesco Saúde não comenta os casos que são levados à apreciação do poder judiciário.
Em conversa com o G1, Danielle Christine, que hoje mora em Brasília, contou que a doença da filha foi descoberta durante uma visita a cidade natal delas, Uberlândia. “Saímos da capital para visitar nossa família e as avós da Ana Luiza acharam que ela estava pálida e apática. Após dois dias que estávamos na cidade, minha filha continuava pálida e acabei reparando uma minúscula raja de sangue nas fezes dela. A preocupação foi imediata e fomos para um pronto socorro da cidade”, relembrou.
A engenheira contou ainda que o médico solicitou o hemograma, que deu alteração. "Todas as taxas de hemoglobina, leucócitos e plaquetas estavam baixas e o médico me pediu para agendar uma consulta com um hematologista e salientou que o caso era grave", afirmou.
Danielle Christine afirmou que após a conversa com o médico ela ficou "sem chão" e não queria acreditar que menos de dois meses após a alegria de ganhar um bebê perfeito estava passando por aquilo. “Não sabia ainda o que era essa doença, como era feito o tratamento e o que seria das nossas vidas a partir daquele momento. Os familiares ficaram transtornados e comovidos com a situação, afinal já tiveram outros casos de câncer nas famílias, porém a leucemia era um universo totalmente desconhecido para todos”, ressaltou.
Desde então, a vida da engenheira, do marido Leonel Araújo e de Ana Luíza mudaram completamente. Aos poucos o casal foi conhecendo as fases dos tratamentos e pesquisando sobre as diversas leucemias. A doença de Ana Luíza era agravada por uma alteração genética denominada translocação, que indicava o transplante de medula óssea como a maior esperança de cura.
O tratamento oncológico pediátrico da criança teve início no Hospital do Câncer, em Uberlândia, devido a infraestrutura. Assim que Ana Luíza teve a primeira alta, a família procurou outros centros transplantadores, pois o hospital onde estava não fazia o procedimento. “Após verificar que pouquíssimos centros no Brasil fazem transplantes de doadores não aparentados em bebês, recebemos a indicação de levar o processo de captação de doador para o Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Minha filha foi cadastrada no Registro Brasileiro de Receptores de Medula Óssea (REREME), iniciando assim o acompanhamento pré-transplante nessa instituição”, disse.
Nesse tempo de espera, Danielle Christine disse que a família chegou a fazer campanhas nas redes sociais a fim de aumentar o número de pessoas cadastradas no banco, visto que cada doador é uma chance a mais de compatibilidade e, consequentemente, de cura. Depois de quase quatro meses de angústia, Ana Luíza encontrou um doador 100% compatível.
A hora era de pensar no transplante e na possível cura da criança, que atualmente tem sete meses. Mas além dessas “preocupações”, os pais de Ana Luíza contaram que também tiveram que se desgastar com o plano de saúde e até enfrentar um processo judicial.
Plano de saúde
O problema com o plano de saúde, de acordo com a uberlandense, começou antes mesmo de Ana Luíza iniciar o tratamento no Hospital do Câncer. Na época, o Bradesco Saúde negou a realização de dois exames de imunofenotipagem, técnica utilizada para se identificar qual o tipo exato de célula que compõe um determinado tecido.
Logo após o início do tratamento, a família chegou a cogitar a transferência de Ana Luíza do Hospital do Câncer para um particular, mas foi alertada por profissionais de centros de outras cidades que o tratamento de quimioterapia que a filha estava recebendo era realizado segundo um protocolo mundial e que haveria inúmeras dificuldades com o plano de saúde tanto para realização de alguns exames, como para compra de medicamentos, liberação de internações em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), caso optasse por transferi-la.
Ana Luíza ficou por um tempo no Hospital do Câncer, mas como o local não fazia o transplante, o processo foi iniciado no hospital Sírio Libanês. Em paralelo Danielle Christine contou que entrou em contato com o plano de saúde para tentar resolver amigavelmente a transferência, porém, o plano acabou indicando outro hospital, o AC Camargo, em São Paulo, mas que não fazia o transplante em crianças. Certo tempo depois, eles indicaram o hospital GRAACC, também em São Paulo, para uma consulta. No local era realizado o procedimento, porém não era possível garantir a vaga na data estipulada para a doação e nem que a Ana Luíza ficaria em um quarto isolado.
A equipe do hospital ainda emitiu um parecer dizendo “não ser favorável” com a troca de hospitais devido a relação da paciente e da família dela com a equipe do outro hospital. “Como recebemos a negativa do plano de saúde para a internação da minha filha no hospital que fizemos todo o processo e devido aos hospitais indicados pelo convênio não receberem a Ana Luiza para o transplante, entramos com uma ação judicial contra o Bradesco Saúde, na última quarta-feira (26), para possibilitar a realização do transplante na data indicada pelos médicos”, afirmou.
Para realização do transplante, Ana Luíza terá que passar por alguns exames e procedimentos, que deverão ser iniciados na próxima quarta-feira, dia 2 de abril. “É realmente um absurdo chegarmos ao ponto de ter encontrado um doador 100% compatível, a Ana Luiza estar apta para receber o transplante e simplesmente não ter onde ficar internada. Tentamos ao máximo não ter que brigar judicialmente, pois já temos problemas suficientes para nos preocupar, porém a vida dela é prioridade absoluta e faremos o que for necessário e acharmos que será melhor para ela”, salientou Danielle Christine.
O advogado que cuida do caso, Gabriel Pereira, disse que quando a mãe da Ana Luíza o procurou, desesperada com a negativa do plano, ele não teve dúvidas em ajudá-las, pois além da profissão ele também já havia enfrentado problemas com o plano de saúde quando precisou. "Juntaram a essa nobre causa diversos advogados colaboradores, todos atuando como voluntários, o que foi fundamental para conseguirmos a primeira vitória no mesmo dia em que entramos na Justiça, representada na liminar que garante a realização do transplante no único hospital que aceitou o caso de Ana Luíza e garantiu a imediata realização do procedimento. Vamos continuar atuando em favor da família até o final do processo", garantiu.
Para Danielle Christine, a liminar é uma porta que se abre rumo à cura da Ana Luiza. "Embora existam muitos obstáculos, desde que soubemos do diagnóstico nossos caminhos foram iluminados por anjos que nos ampararam e ajudaram em nossa conquista de cada dia. Hoje vencemos uma batalha importante, que não deveria sequer ter existido se não fosse a falta de sensibilidade de empresas que deveriam assegurar a saúde das pessoas e fazem exatamente o contrário, nos deixando reféns de uma burocracia e determinando valores para uma vida", concluiu.