Nova York - Em princípio, parecia uma singularidade: uma disseminação de relatos entre a primavera e o começo do verão de 1981 de que jovens gays em Nova York e na Califórnia estavam doentes com formas de pneumonia e câncer geralmente observadas em pessoas com sistemas imunológicos severamente debilitados.
Em retrospecto, claro, esses avisos foram os primeiros prenúncios da aids – a pandemia catastrófica que infectaria mais de 60 milhões de pessoas (e contando) no mundo todo, matando pelo menos metade desse número.
Mas, na época, tínhamos pouca noção do que era aquilo com que estávamos lidando – não sabíamos que a aids era uma doença distinta, o que a causava, como era contraída, ou mesmo de quê chamá-la.
Conforme a aids se embrenhava nos Estados Unidos e em outros lugares, uma nova geração cresceu com pouca ou nenhuma memória daqueles primeiros dias sombrios. Mas eles são dignos de lembrança, como uma história preventiva sobre os efeitos da perplexidade e do medo que podem cercar uma doença desconhecida, além de um lembrete das mudanças rápidas na prática médica que a epidemia trouxe à tona.
Os relatos dos casos iniciais eram confusos. O primeiro anúncio federal, que faz 30 anos nesta semana, falava de “cinco jovens, todos homossexuais ativos,” com pneumonia pneumocystis carinii, ou PCP, uma doença “quase exclusivamente limitada a pacientes severamente imunossuprimidos.” A suspeita inicial recaiu sobre um agente infeccioso conhecido, o citomegalovírus.
Um mês depois, em 3 de julho de 1981, escrevi o primeiro artigo do The New York Times sobre a aids, com a manchete “Câncer raro visto em 41 homossexuais.” (A palavra “gay” ainda não era aceita no manual de estilo do jornal.) O câncer era o sarcoma de Kaposi, e, até então, havia sido raramente observado em jovens saudáveis.
Conforme foi se esclarecendo gradualmente que a doença por trás disso não era nem pneumonia nem câncer, mas uma doença sexualmente transmissível que causava danos profundos ao sistema imunológico, especialistas discutiram suas muitas teorias sobre o caso. Uma teoria popular considerava que o impacto das combinações de micróbios oprimia o sistema imunológico. Outras causas teóricas incluíam o esperma depositado no intestino, ou outra substância química que causava danos ao sistema imunológico.
Foram necessários três anos para identificar de modo conclusivo o HIV, o vírus causador da aids, e ainda mais para encerrar as disputas sobre o mérito da descoberta. Quando os médicos aprenderam que levava cerca de uma década para padecer de aids após o vírus HIV entrar no corpo, eles perceberam que as pessoas, durante anos, haviam transmitido o vírus sem o saber, espalhando-o a milhares de pessoas em muitos países, que, por sua vez, o espalharam a outros milhares e, enfim, outros milhões.
Epidemiologistas rapidamente demonstraram que o HIV podia ser transmitido através de sexo heterossexual, passado de mulheres infectadas a seus recém-nascidos, em transfusões de sangue e produtos sanguíneos e via agulhas contaminadas.
Muitos médicos, na dúvida sobre se a aids era uma doença infecciosa ou não, se recusaram a realizar procedimentos essenciais aos seus pacientes; por vezes a exigência tinha de vir de seus superiores. E, enquanto a maioria dos médicos tratava seus pacientes com profissionalismo e compaixão, eles temiam poder contrair a doença, porque ninguém sabia como ela era comunicada. Alguns funcionários da área da saúde foram infectados ao se perfurarem, por acidente, com agulhas contaminadas.
As comunicações com o público, com frequência, eram pouco claras. Porque os oficiais de saúde e jornalistas usavam a expressão “fluidos corporais” em vez de especificarem sêmen, sangue e secreções vaginais, muitas pessoas temiam poder contrair aids de assentos sanitários e bebedouros.
A aids apareceu logo após a erradicação da varíola, que havia renovado as declarações do desaparecimento de doenças infecciosas. Como resultado, líderes de saúde pública não estavam prontos para lidar com uma doença mortal reconhecida há pouco tempo.
O nome, síndrome da imunodeficiência adquirida, surgiu em 1982, depois de tentativas preconceituosas como grid, sigla para gay-related immune deficiency, ou “imunodeficiência relacionada aos gays”.
Muitos artigos públicos eram falhos. Em dezembro de 1981, o New England Journal of Medicine publicou um longo editorial explorando possíveis causas da aids. Ele nunca considerou a possibilidade de um micróbio até então desconhecido – uma omissão gritante e um exemplo primoroso do fracasso generalizado dos cientistas em pensar além dos padrões convencionais.
Pouco tempo depois, a aids finalmente foi associada a uma classe relativamente nova de agentes infecciosos chamada retrovírus. Mas o nome, HTLV-3, a situava na categoria errada, e a classificação incorreta causou confusão até o agente ser corretamente identificado como HIV.
As descobertas da aids e do HIV foram bastante auxiliadas por testes de laboratório recém-desenvolvidos. Um teste forneceu a pista crucial de que o vírus causador da aids era o retrovírus.
Na época, o uso da contagem de sangue CD4 para detectar anomalias sérias do sistema imunológico estava restrito a alguns centros de pesquisa. Agora, o CD4 e exames de sangue semelhantes são padrão para o monitoramento do tratamento e severidade do HIV.
Logo após a descoberta da aids, cientistas desenvolveram uma técnica molecular chamada PCR (polymerase chain reaction ou reação em cadeia de polimerase), capaz de copiar um único segmento de DNA e multiplicá-lo incontáveis vezes. O PCR se tornou padrão para monitorar a resposta de um paciente infectado à terapia antirretroviral.
Tradução de Adriano Scandolara.
Lawrence K. Altman é médico e colaborador do jornal The New York Times.