Bisfenol A: exagero ou ameaça real à natureza?

Saúde

Uma substância ainda pouco conhecida, mas que está presente no cotidiano das pessoas, vem causando polêmica por seus potenciais riscos à saúde. Usado na fabricação de alguns tipos de embalagens plásticas de alimentos e no revestimento interno de latas, o bisfenol A (BPA, na abreviatura em inglês) já foi proibido – sobretudo em mamadeiras e copos descartáveis – em países como Canadá e Dinamarca, na União Europeia e em 11 estados norte-americanos.

 No Brasil, Piracicaba (a 160 km de São Paulo) tornou-se a primeira cidade a aprovar uma lei banindo o composto químico. Além disso, tramita no Congresso um projeto para acabar com o bisfenol no país.

Segundo os cientistas, o BPA é instável e pode migrar da embalagem para os alimentos. Pesquisas sugerem que o composto é potencialmente cancerígeno e estaria associado à diabete, infertilidade e problemas cardíacos, entre outros. Ao imitar a ação de hormônios como o estrogênio, o bisfenol funcionaria como um desregulador endócrino. Não há recomendação das autoridades sanitárias mundiais de proibir a substância.

Mesmo assim, o BPA suscita outro debate: sua eventual presença no meio ambiente. Des­­­­­cartados às toneladas em li­­xões, aterros e em várzeas de rios, materiais como plásticos, latas e outros resíduos em decomposição podem estar contaminando ecossistemas inteiros. O governo canadense, por exemplo, quer criar uma lei para punir indústrias que liberarem bisfenol na natureza. Por aqui, o assunto ainda engatinha.

Para Marco Grassi, professor do Departamento de Química da Uni­versidade Federal do Paraná, o alto padrão de consumo das cidades brasileiras, aliado à deficiência de saneamento, contribui para au­­men­­tar a presença do BPA na natureza. “Esses compostos estão aparecendo em ambientes aquáticos, no esgoto e no lixão. Mesmo em baixas concentrações, podem trazer problemas ambientais”, explica. Segundo o especialista, estudos comprovaram a feminização de peixes por causa do BPA. O mesmo teria ocorrido com crocodilos nos Estados Unidos. “Isso pode dificultar a continuidade da espécie.”

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) considera como limite de segurança até 0,6 miligramas por quilo de embalagem, medida estabelecida nos anos 1990. “Não há como ga­­rantir que a quantia ‘x’ é segura. Então é melhor proibir. A quantidade para causar efeito é pequena e depende do peso, idade e estado de saúde da pessoa. As crianças são as mais vulneráveis”, avalia a engenheira química Sonia Hess, professora da Universidade Federal de Santa Catarina que analisou mais de mil estudos sobre o assunto. Ela observa que além do BPA há outras substâncias potencialmente tóxicas, presentes em pesticidas, agrotóxicos e cosméticos.

Temor não se justifica, dizem fabricantes

Para Miguel Bahiense, presidente do Plastivida Instituto Sócio-Ambiental dos Plásticos, do Instituto Nacional do Plástico (INP) e do Instituto do PVC – entidades ligadas aos fabricantes de embalagens –, os temores em relação ao bisfenol A não se justificam. “Não há um estudo conclusivo de que essa substância seja tóxica. Além disso, há muita desinformação. Não são todos os plásticos que contêm bisfenol. O FDA [agência americana que regula remédios e alimentos] ainda está avaliando a questão. E a própria lei brasileira autoriza que haja o contato do produto com o alimento”, argumenta.

Segundo Bahiense, o limite imposto de 0,6 miligrama por quilo de embalagem é respeitado no processo de fabricação dos produtos, seguindo normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Apesar de defender que as embalagens não deveriam ser descartadas no meio ambiente, ele não vê o plástico como vilão da natureza. “É um produto inerte. Ele não ‘derrete’ como os biodegradáveis, que viram gás e emitem dióxido de carbono”, afirma. Para evitar que o material vá para a natureza, Bahiense sugere que fabricantes, catadores, governos e consumidores compartilhem a responsabilidade de destinar corretamente os produtos à reciclagem.

Interesse

Na opinião da tradutora Fabiana Dupont, uma das responsáveis pelo site O Tao do Consumo – que lidera campanhas como “prefira vidro”, defendendo a substituição de embalagens plásticas e latas por outros materiais –, é preciso investir mais em pesquisa. “Existe um lobby da indústria química, petroquímica e plástica para que isso não seja discutido”, dispara. Ela aconselha os consumidores a ficarem atentos aos símbolos da reciclagem nas embalagens, evitando os de número 3 e 7, que podem conter bisfenol.

Segundo Dupont, além dos problemas de saúde, os riscos do BPA para a natureza são grandes. “O plástico fica no meio ambiente por muito tempo. E somente o pouco que se consegue coletar é reciclado”, diz. A exemplo, ela cita as “ilhas de plástico” que estariam se formando no Oceano Pacífico. De acordo com a ativista, peixes que servem ao consumo humano estariam se alimentando desse material.

Para Assunta Camilo, diretora do Instituto de Embalagens – Ensino e Pesquisa, acima de tudo o consumidor deve ter o direito à informação. “Em todos os produtos deve ser dito qual é o material da embalagem. Nem 7% dos produtos no Brasil possuem identificação de quais materiais são feitos. A embalagem não diz nem se é PET, muito menos se tem bisfenol”, conclui. (JRM).