Empresas adotam 'clientes secretos' para avaliar qualidade do atendimento

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Com o intuito de melhorar o atendimento, já é realidade nas empresas que atuam no país a figura do cliente secreto. Um profissional que é contrato para avaliar anonimamente diferentes aspectos de um estabelecimento comercial.

A metodologia é considerada pelos especialistas da área de administração a mais eficaz no sentido de retratar o real serviço prestado. A partir destas avaliações, os empresários adotam medidas para mudar o que pode não estar funcionando adequadamente e manter a competitividade. Estes trabalhos são intermediados por uma empresa terceirizada que paga, além da remuneração, todas as despesas do cliente secreto para avaliação. Normalmente, pelo caráter esporático da função, trabalhar como cliente secreto é um complemento à renda.

Há quatro anos atuando como cliente secreta, Isabel Guelmann, de 35 anos, percebe facilmente a falta de qualidade no atendimento, a ponto de ser a principal falha das empresas, segundo ela. “Eu considero, por exemplo, que um sorriso é metade de um atendimento. Quando você chega a um lugar, e a pessoa recebe com um sorriso, já começa a ganhar o cliente. Tem muitos atendentes que reclamam da profissão para o cliente, dizem que a loja é bagunçada, reclamam de trabalhar no fim de semana ou no feriado, não tem boa vontade para ajudar o cliente e isso tudo isso pesa”, explicou Isabel.

A remuneração pelo trabalho pode variar de R$ 50 a R$ 500 por dia. Avaliações de companhias aéreas e resorts, por exemplo, são as que oferecem maior remuneração. Isabel ressalta que, apesar de parecer um trabalho fácil e principalmente prazeroso porque permite que o cliente secreto conheça restaurantes, hotéis, faça viagens e compras custeadas pela empresa contratante, o trabalho é de extrema responsabilidade e criterioso.

“É um trabalho muito sério. Você tem que ser responsável e ter comprometimento (...). É preciso ter paciência, não é para qualquer um. Se eu não conheço a empresa que eu vou avaliar, eu pesquiso na internet. Muitas vezes é preciso fazer uma ligação antes de ir ao local para já saber como é o atendimento por telefone”, comentou. Isabel contou ainda que para cada avaliação há uma orientação específica e que existe um questionário que precisa ser preenchido posteriormente. Por isso, é necessário ficar sempre atento e ter boa memória, porque não é autorizado levar o questionário para o local que está sendo avaliado.

É um trabalho muito sério. Você tem que ser responsável e ter comprometimento. É preciso ter paciência, não é para qualquer um"
Isabel Guelmann, cliente secreta em Curitiba

De acordo com Isabel, não existe segmento mais difícil para avaliar. Ela menciona, todavia,  que nos casos dos hotéis a avaliação é mais detalhada. "É mais trabalhoso no sentido de ser muita coisa para observar, porque a estrutura é maior. Mas, se você vai entrar em um banco, para uma avaliação de 45 minutos, ou em um hotel, com visita de três dias, a atenção tem que ser a mesma. Você tem que avaliar a estrutura, você tem que avaliar o atendimento... E no resort, você tem que avaliar os restaurantes, banheiros e atividades de recreação, por exemplo”, explicou.

Isabel é sócia proprietária de uma empresa na área comércio exterior, por isso o trabalho de cliente secreta é um complemento ao orçamento pessoal. Ela consegue, em média, um trabalho por semana e já chegou a viajar três fins de semana seguidos para resorts no nordeste. Além de gostar de trabalhar como cliente secreta, Isabel espera contribuir para melhorar os índices de satisfação dos clientes, ajudando as empresas a preceberem a necessidade de se investir em capacitação.

Precariedade da mão de obra reflete na satisfação do cliente
O Índice Nacional de Satisfação do Consumidor (INSC) em março ficou em 52,6%.  A satisfação dos clientes é maior no segmento farmacêuticos (91,9%), bebidas (88,3%), Personal Care (85,5%) e hospitais e laboratório (84,5). Por outro lado, o INSC despenca quando se fala em Saneamento Básico (11,5%), Transporte Metropolitana (18,8%), Energia Elétrica (19,3%) e Comunicações (24,4%).

As empresas não investem tanto em treinamento e, em decorrência de toda essa movimentação econômica, tem muitas pessoas que não estão adequadas para atuar no atendimento ao público"
Douglas Zela, professor FAE Centro Universitário

Ao se analisar de uma maneira mais ampla o porquê desta insatisfação dos consumidores, o coordenador de pós-graduação em Marketing da FAE Centro Universitário, em Curitiba, Douglas Zela, afirma que a resposta está na mão de obra disponível no Brasil.

“Comparando pesquisas semelhantes publicadas no Brasil e no exterior, os índices de satisfação brasileiros são menores. O que nós temos hoje no país é que as empresas não investem tanto em treinamento e, em decorrência de toda essa movimentação econômica, tem muitas pessoas que não estão adequadas para atuar no atendimento ao público. Não somos os melhores, mas, com este padrão de mão de obra, é o que temos”, avalia Zela.

De acordo com o professor, existem basicamente três maneiras de se saber qual percepção do cliente. É possível pedir para que o próprio consumidor avalie. Normalmente isso ocorre por questionário. Esta opção pode criar distorções, afirma Zela, porque são poucos os clientes que se manifestam e muitos o fazem apenas quando têm algo para reclamar ou algum outro interesse. Outra opção é uma pesquisa identificada, ou seja, os funcionários sabem quando e quem é o responsável pela avaliação. “Neste caso, todos os atendentes mudam. Eles fingem que são bons. Se o chefe está do lado, você trabalha um monte”, comentou.

E por fim, surge o cliente secreto, que consegue trazer informações preciosas para a empresa. “É muito mais eficiente por causa da isenção - esse é o grande negócio. Além disso, pode ser muito importante do ponto de vista estratégico de negócio”, explicou.

Parceria para pequenas empresas
Este tipo de serviço ainda é mais frequente nas empresas grandes, já que os custos não são baixos. As pequenas e médias empresas, em geral, ainda não podem usufruir desta ferramenta. Para disseminar a opção entre as empresas de menor porte, o professor Douglas Zela sugere que as empresas procurem as universidades. Segundo ele, é possível estabelecer parcerias. “Seria extremamente importante que nós tivéssemos uma integração entre o meio acadêmico com o meio empresarial. No meio acadêmico, eu tenho as ferramentas adequadas desenvolvidas por professores altamente competentes, eu tenho pesquisadores, que são os próprios alunos, e tenho os softwares de análises prontos, à disposição”, mencionou.

Zela expõe ainda que não é só o pequeno empreendedor é o beneficiado. Segundo ele, existe uma resistência – por parte dos proprietários - que impede a aproximação das empresas às escolas de administração. O professou citou ainda que os universitários tem dificuldade em conseguir empresas que aceitem ser objeto de estudo para Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). “Seria como se os estudantes de medicina tivessem dificuldade de encontrar doentes”, exemplifica o professor.

“Os empresários acham que o que se discute nas escolas é pura teoria, quando, na verdade, é a solução para eles. As escolas de administração trabalham da prática para a teoria, não da teoria para a prática. As escolas de administração são claras, se formula teoria a partir da prática”.

Empresa contrata clientes secretos em Curitiba e Maringá
A Shopper é uma das empresas que trabalham com a metodologia do cliente secreto para a avalição de empresas. A empresa busca homens e mulheres, entre 18 e 70 anos, que morem em Curitiba e Maringá, e que tenham hábito de comprar em lojas da área têxtil, supermercados e hipermercados, além de pessoas que tenham conta em bancos.

De acordo com a empresa, o consumidor do Paraná é perfeito para a atividade por ser naturalmente criterioso e por valorizar um atendimento de excelência.

A inscrição é feita pelo site da empresa e as remunerações variam de R$ 50 a R$ 500.